Um grande ficcionista, um belo contista, um excelente professor. Diversos prêmios conquistados (entre eles, cinco “Jabutís”), 18 livros. Morreu sozinho no centro de Porto Alegre, aos 70 anos. Lia, escrevia, dava cursos, ensinava e sempre lutava contra uma incrível timidez. Esse era João Gilberto Noll. Só deixou amigos e respeitosos admiradores, entre os quais se contavam o garçom Ademir que o servia quase que diariamente no restaurante “Piato Mio”, na rua Sete de Setembro, também no centro de Porto Alegre e os demais servidores daquela casa que o admiravam pela tranquilidade e o silêncio com que sempre agia. Muitos deles nem suspeitavam da dimensão do intelectual João Gilberto Noll e sua importância nas letras rio-grandenses. Ele não era do tipo que vivia propagando quem era e do que tinha sido capaz até agora.
Foi o criador de uma enorme galeria de personagens que nasciam na sua ficção, seu forte, que sempre contrariou as correntes mais significativas e da literatura aqui do nosso estado. Não era propriamente um romancista muito popular, se é que algum escritor se situa nessa posição depois de Érico Veríssimo e Moacyr Scliar, por exemplo. Ele formava com maior naturalidade no grupo dos contestadores das estruturas oficiais e ou consagradas.
Escreveu livros como “Hotel Atlântico” (1989) ou “Hamada” (1993), ou ainda “Solidão Continental” (2012), ou o volume de contos, “O cego e a dançarina”, que originou um filme de Murilo Sales, “Nunca fomos tão felizes” de 1984.
Alguns críticos e escritores o consideravam um dos nomes maiores da literatura brasileira, como João Castelo, por exemplo, que o classificava como o “melhor de todos”.
Nessa hora em que ele deixou de existir fisicamente, isso não interessa, porque o importante é que agora inicia o vôo inigualável dos grandes intelectuais, sem necessariamente ouvir contestações ou dúvidas. Jamais foi e nem seria e agora não será, é óbvio, um ponto de referência comportamental porque já deixou seu estado corporal físico. Poderá ser acessado em seus livros (dezoito) ou nos textos esparsos que publicou e nos contos que deixou.
O livro “Lorde”, de 1984, é quase autobiográfico, mas sem dúvida o personagem tinha muitos pontos de contato com o autor que nascera e vivera em Porto Alegre, desde abril de 46. Só que o seu “Lorde” escolhera Londres, mas era também o fascínio e o peso da grande cidade.
João Gilberto Noll se caracterizou pela doação pessoal, e como tal nunca deixou de dar aulas, ministrar oficinas, como o fez até a semana passada, onde ele ainda lecionou no “Aldeia”.
Mas fez tudo isso e toda a sua vida foi uma espécie de sinfonia só de instrumentos de cordas, sem grandes ensembles de orquestras completas. Com ninguém, nem ele próprio, “solando”, mas procurando sempre cumprir seu papel no grupo, tocando sua parte e mostrando sua arte.
Michel Laub resumiu com perfeição que os seus personagens eram todos, representantes da solidão e “transmitiam a sensação de insuficiência, social, sexual e existencial”. E esse era ele mesmo.
Walter Galvani, 31 de março de 2017.
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